domingo, 14 de dezembro de 2008

Às Cegas

Em meados de novembro de dois mil e cinco, eu estive na Feira do Livro com o dinheiro contado. Podia comprar alguns livros mais baratos – queria comprar Mrs. Dalloway, daquela edição da capa bonita de flor, sabem? – e tomar um café, sim, faria isso.

Faria. Não fiz. Um certo estande entrou no meu caminho e um relato absurdamente aleatório fez com que eu desse todas as moedas por um livro só, o livro. Ensaio sobre a Cegueira chegou assim, com um certo arrependimento. Mudou tudo e me fez chorar. Definitivamente um dos melhores entre os que li – talvez o segundo, mas só porque História do Cerco de Lisboa tem um revisor rebelde.

Um filme? Em inglês? Filmado em São Paulo e Buenos Aires? Diretor brasileiro e Alice Braga como a rapariga de óculos escuros? Isso não vai dar certo...

Desânimo e Saramago às lágrimas, vai ver que é bom, e não é que o cartaz está na frente do cinema? Heitor ao meu lado e sinais divinos... Que diabos, eu vou ver.

Nós fomos hoje e o filme é perfeito. Não posso ver defeitos, a tradução das páginas em português para as telas em inglês foi impecável. A cegueira branca tomou conta da fotografia e nos ofuscou os olhos, o escuro da visão perfeita da Mulher do Médico deixou-nos cegos... Diálogos transpostos diretamente como Saramago os escreveu, do início ao fim, do primeiro cego ao cão das lágrimas, lágrimas me inundaram a garganta na Quarentena e no banho de chuva. Os banheiros fétidos e os policiais ignorantes, estupros e incêndio.

Perfeito.

Mudou tudo, eles todos agora têm rostos e vozes.

Como no fim, igual, a sensação de uma experiência transcendental. O caminho à casa do Heitor foi vivido de um jeito meio extracorpóreo, a névoa branca pairava como na sexta-feira em que fechei o livro aos prantos.

A única pergunta que fica é: Por que os diretores não conseguem adaptar filmes de livros assim, de um jeito limpo e claro, de forma que fiquem bons? Talvez, e só talvez, os outros livros simplesmente não sejam bons como esse é... E não se pode arrumar o que já vem às metades...

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” Fernando Meirelles reparou.

4 comentários:

Anônimo disse...

Sempre, sempre, depende do livro ^^

E do diretor..

Vamos colocar a culpa nos produtores, então.

Anônimo disse...

mrs. dallowey... sempre no meu caminho, no meu post, no dos amigos...

ah, quero muito ver o filme, vou ir amanhã e a não se pode comparar a obra filmica com a literaria... sei lá!

beijo, iaiá ;@

quem escreve disse...

Eu não li o livro, mas vi o filme.
Também fui pra casa com uma sensação extracorpórea.
São sensações fortes que nos fazem pensar.

Abraços!!!

Conde Vlad Drakuléa disse...

Minha querida, não gosto do Meireles, porém ele é um excelente cineasta, digo que não gosto dele como pessoa pública, discordo dele em tudo, mas essa adaptação dele ficou fantástica e em minha opinião não chega a bater o livro, mas é o melhor filme que ele já fez até hoje... Sem dúvida... Também não gosto do Saramago, eu o acho muito arrogante, mas esse livro no caso, aliás é o único livro dele que eu realmente gostei, saiu excelente... Acho que empregaste muito bem vossas moedas sim... E olhe que eu realmente não gosto do Saramago mesmo, nem do Meireles... Mas concordo quando uma obra fica boa e essas realmente ficaram...

Beijos...